EU NÃO GOSTO DE ENCRENCAS, MAS ELAS GOSTAM DE MIM.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

AULA DE INGLÊS 2006

Puta que pariu, que que eu tô fazendo aqui nessa aula de inglês? Já falei que não gosto dessa porra. Me fudi um par de vezes no colégio por causa dessa merda: sempre ficava de recuperação e passava por conselho de classe – é porque no meu tempo diziam que inglês não reprovava. Eu nunca entendi como é que essa joça funciona. Eu entendia História, Biologia, Ciências, essas coisas, mas inglês... Ainda mais agora que eu já tô mais velho. A cabeça velha já não funciona mais tão bem. Muita cachaça e maconha, né?
Se bem que pelo menos a professora é uma gostosa. Cara de riquinha, bonita, deve ter no máximo, no máximo, vinte anos, com esses cabelo loiro que não é loiro, meio chanel... luzes! é, é assim que elas chamam o cabelo assim. Hummm... esse decotinho, ela ainda tá bronzeada e dá pra ver a marca do biquíni... essa sainha justa... putz, nem é bom ficar pensando muito. A dondoquinha aí deve ter um carrão que o papai deu, já deve ter ido pra Disneylândia umas dez vezes..., deve ser superamiga do Mickey e do Pato Donald, hehehe...; só usa roupinha de marca, nunca lavou uma louça na vida... Que foda... Putz, ela tá começando a fazer perguntas pra todo mundo, e logo vai chegar a minha vez, e a única coisa que eu sei falá é no, you isn’t.
– Are you single or married?
– Nou, iú isenti!
– Ok... again. Are you SINGLE or MARRIED? – Ela tá me mostrando o dedo como se
tivesse uma aliança ali. Parece que ela tá perguntando se eu quero casar com ela. Porra, com essa gostosa... eu caso! Bom, eu sei também falar yes!
– Yes!
Um babaca de oclinhos dá uma risadinha, tipo me chamando de burro. Eu fico vermelho, louco de vontade de gritar pro filho da puta: “Eu não sou bicha igual você, pra não querer casar com essa gostosa!” Em vez disso só olho pra ele com a minha pior cara de raiva, tipo perguntando “algum problema aí, filha da puta?”, e o playboy do caralho fecha o cu. Aí eu volto a falar com a teacher:
– Repíti, plísi? – eu não sei se tá certo, mas agora já foi.
– All right. Are you SINGLE or MARRIED? – ela faz todo os gestos de novo. E eu fico
perdido, mas olho com uma cara de quem tá decifrando o enigma da pirâmide. Porra, acho que o ó do borogodó aqui é o tal do singou. Tem uma mulher do meu lado, com jeito de gente boa que me diz baixinho “Você é casado ou solteiro?” Eu respondo baixinho também, “Solteiro”.
A professora olha e diz:
– Oh! You’re single!
Caralho, então singou é solteiro... eu, muito pateta, digo:
– Podes cry, tchitcher, eu singou!
Agora todo mundo está rindo. Eu fico vermelho, mas orgulhoso. Porra, mandei bem. O
único que não ri é a bichinha que já tinha rido antes. Também, acho que se ele risse eu dava uma porrada nele. Eu fico cuidando dele, mas ele fica olhando pro chão. É bom mesmo.
A professora, ainda rindo, continua a fazer perguntas pros outros. Eu não sei porque lá na firma eles tinham que me mandar pra essa porcaria aqui. Vou aprender inglês pra quê? Pra conversar com o Guima e com o Cruz? Aqueles dois cozidos? Dizem que todo mundo lá no trampo tem que se reciclar, e o caralho a quatro. Reciclar o quê? Não sou lixo, porra. Querem que eu volte a estudar... Olha, eu não sou o mais esperto, mas burro eu também não sou. Faltava só dois anos pra eu terminar o segundo grau. Tudo as gambiarra que tem na instalação lá de casa fui eu que fiz. Tudo no capricho. Melhor que muito eletricista que enfia a faca na gente. Olha, eu sô mais eu.
Lá vem a gostosa de novo com outra pergunta:
– What do you do?
– Uóduiudú?
– Yes!
– Yes!
Todo mundo ri de novo. Putz acho que tão pensando que eu sô idiota.
– Não intends. Ripíti, plísi.
– What do you do?
A mulher do lado me ajuda de novo. “O que é que você faz?”
– Ah! O que que eu faço, né?
– Yes! – a tchitcher fala, toda simpática. What do you do?
– Ah... eu... eh... eu...
– In English, please...
– Ahn?
A minha personal ingleiser aqui do lado fala: “em inglês”
– Ah, em inglês eu não faço nada. Só sei falar “nou, iú isinti!”
Porra, aí todo mundo começa a rir de verdade. Daí eu levanto, puto da cara, mando todo mundo ir tomar no cu, eu não quero mais fazer essa bosta, o pessoal lá da firma que vá se foder, eu não faço mais essa porra, e ainda faço de conta que vou dar uma porrada naquele viado que ficou rindo de mim. Ele se encolhe todo e eu quase me cago de rir da cara dele.
A teacher vem atrás de mim, e quer conversar e tal. Eu digo que eu não queria fazer o curso, que eu tô lá pela minha firma, que desculpe eu ter zoneado a aula dela, mas eu não vou ficar passando por burro, que burro eu não sou, que eu quase terminei o segundo grau, só faltava mais dois anos, e que a instalação lá de casa foi tudo eu que fiz, e que eu nunca estudei pra ser eletricista, que eu aprendi tudo sozinho, mas que inglês, ah, puta que pariu, inglês não dá. Porra, em inglês eu sempre fiquei pra recuperação, e que eu não gosto e que foi lá na firma que mandaram, e aí quando vi já tinha repetido tudo umas duas vezes, e daí pergunto se ela tem namorado. Me arrependo na hora, porque daí ela dá uma risada que não é de alegria e diz que não era pra isso que ela tava ali, daí eu falo que achei ela muito linda, ela agradece e repete que ali não é lugar nem hora pra isso, e que era pra eu ir pra casa esfriar a cabeça, e que se eu não queria fazer inglês eu não tinha nada de estar ali atrapalhando o trabalho dela, e aí eu fico envergonhado e tal, e então eu peço desculpa umas trinta vezes e saio dali humilhado, mas resolvido que na semana que vem eu tô ali de novo pra chamar a teacher pra ir num barzinho comigo, que eu acho que ela é do tipo de menina que curte ir em barzinho, é, podes cry, que eu acho que é “pode crer” em inglês, né?

Novo Mundo, 24 de março de 2006.