O NOME DELA (Peça em um ato)
(Dois caras com idade de 22 e 23 anos. Vestidos com jeans, tênis All Star, camisetas e moletons. O cenário é um típico quarto de classe média baixa, com pôsters na parede, discos e revistas nos cantos. O que conta a história está sentado no chão, encostado no guarda-roupas, o que ouve está com um violão no colo, mas não sabe tocar. Às vezes parece distraído com o instrumento. )
A: “Putz, mas só acontece comigo...”
B: “O quê?”
A: “Sexta passada, eu tava no trampo, depois do almoço, quando eu tava indo escovar os dentes, uma menina que eu nunca tinha visto me perguntou ‘você sabe me dizer em qual mesa a Ana trabalha?’ Eu mostrei pra ela, ela agradeceu e foi. Cara, um tesão, a menina.”
B: “Gostosa, é?”
A: “Cara, a questão não era ser gostosa, e até era, mas é que... manja menina que não é linda de cara, mas é mais do tipo que chama atenção porque tem um charme diferente, sei lá?”
B: “Só, são as melhores. Jeito de inteligente, né?”
A: “Não era só jeito, não. Já chego lá. Fui escovar os dentes, e quando voltei ela tava lá, falando com a Ana...”
B: “Não é essa que é sapata?”
A: “É, e é gente fina pra cacete.”
B: “Mas é sapata, né?
A: “É, mas não vem ao caso.”
B: “Você é gente fina e não é bicha.”
A: “Posso contar a porra da história?”
B: “Pode, bichona.”
A: “Então. Cara, quando eu me virei indo pro banheiro eu me lembrei: ‘cacete, essa deve ser a sobrinha da Ana que ela vive dizendo que ia me apresentar, que tinha tudo a ver comigo, que a menina ia gostar de mim logo de cara’ e o cacete. Aí escovei os dentes, e quando voltei a gente começou a conversar e putz, cara a menina era muito massa, além de ser linda, mas um linda não de capa de revista, mas que se eu visse numa festa, num bar, ia ficar a fim. Cara, batia tudo. A gente conversou pouco, mas deu pra ver que ela gostava do mesmo tipo de filme que eu, conhecia as bandas que a gente gosta, curte ler... Enfim, ela foi embora, e no meio da tarde a Ana...”
B: “...a sapata...”
A: “...é. Ela veio e me disse que a menina tinha pedido o meu telefone, e que ia me ligar, e que tinha se interessado por mim e tal.”
B: “Massa. E ela ligou?”
A: “Ligou. E foi aí que tudo começou a foder...”
B: “Como assim? Ela é sapata e queria te fazer de mulherzinha?”
A: “Exatamente.”
B: “Sério? Caralho!”
A: “Sério teu cu, filho da puta! Claro que não. Fodeu porque no sábado à tarde eu fui na casa do César com o Felipe, e ficamos lá de bobeira, fumamos um e quando deu seis horas eu voltei pra casa. Chegando lá minha mãe falou: ‘Uma menina dizendo que é tua amiga acabou de ligar.’
Aí eu perguntei: ‘O que que ela disse?’ ‘Só disse que é a sobrinha da Ana lá do teu serviço e que ligava daqui a uma meia hora de novo.’ Daí eu pensei, ‘Massa. É hoje, né?’”
B: “E ela ligou de novo?”
A: “Ligou e a gente marcou às onze lá no Birinaites”
B: “E ela furou com você?”
A: “Não. É que eu esqueci o nome dela.”
B: “Como assim?”
A: “Cara, a gente conversou e eu nem me liguei que não prestei atenção no nome dela. E quando ela ligou pra mim, eu fiquei com ‘é a sobrinha da Ana’ na cabeça. E não lembrava, cara.”
B: “E por que você não perguntou, jacu de teta?”
A: “Ah, é! A menina interessadassa em mim, conversando comigo, e eu do nada ‘Como é o teu nome mesmo?’ Ah, vai se foder. Cara, ela ia ficar muito de cara comigo. Eu ficaria, se ela não soubesse o meu.”
B: “E por que você não ligou pra Ana?”
A: “Por que ela não tem telefone em casa, e o celular dela a mulher dela trocou por pó. Quando ela chegou em casa e viu que o celular não tava lá e a outra não queria dizer ela ligou pro número dela mesma e quem atendeu foi um traficante que ainda curtiu da cara dela. E ainda falou que se ela pagasse os trezentos contos de pó que a outra tava devendo ele devolvia o telefone. Porra, imagina ir num traficante pegar o celular de novo, e ainda levar trezentão por um pó que você nem sentiu o cheiro - literalmente.”
B: “É foda mesmo. Afinal, a Ana é a mulher ou a ‘marida’?”
A: “Acho que a marida. Mas é uma marida romântica, não ia enfiar a mão na cara da outra. Sem falar que outra é gigante, a coitada não ia dar nem pro cheiro. Pelo menos acho que não.”
B: “Como que é o nome dela?”
A: “Sei lá. Acho que é um nome de mulher.”
B: “Hahahaha!”
A: “Voltando à minha história...”
B: “É, termina essa porra que já tá ficando chato mesmo.”
A: “Então, onde é que eu tava?”
B: “Ééééé... Você não ligou pra Ana por causa do celular.”
A: (imitando o Chaves) “Isso, isso, isso. Então. Não liguei porque não dava. Meu, aí que o negócio começou a ferver: como que era o nome da mina: Ana? Márcia? Sônia? Beatriz? Carla? Eu só lembrava que era um nome simples. Eu comecei a pensar em tudo quanto é nome de mulher. Fui tomar um banho, pra ver se a pira da maconha, que já tava fraquinha, passava. Passou mais ou menos, e nada de eu lembrar. Nem larica me deu, meu! Perdi a fome mesmo. Fiquei deitado no meu quarto. Olhando pro teto, sem lembrar... Cheguei a ficar com dor de cabeça! Quando vi já tava quase na hora de pegar o ônibus. Pensei: ‘vai que no trajeto eu lembro’, né?”
B: “E lembrou?”
A: “Lembrei porra nenhuma. Cheguei lá, mas não entrei no bar. Faltava cinco pra onze. Fiquei lá fora, ali na esquina da Rua do Sheena, sabe?”
B: “Ã-hã.”
A: “Tinha uns carros estacionados por ali. Fiquei meio escondido. Até que deu onze horas e ela apareceu. Saiu de dentro do bar. Cara, a mina tava já me esperando. Me doía ver ela ali, eu jacu demais, com medo de ir falar com ela sem lembrar do nome dela.”
B: “Que burro...”
A: “Burro é pouco. Ela ficou lá fora, tava meio frio, dava pra ver que ela tava meio encolhida. Até que saiu um cara do bar e começou a falar com ela. Ela respondeu, mas ficava me procurando, tipo ‘porra, que horas que esse cara vai chegar?’. Daí o outro colocou a mão no rosto dela e ofereceu a jaqueta dele pra ela.”
B: “E você lá olhando?”
A: “(resignado) Só... . Ela pegou e vestiu a jaqueta. Eles conversaram uns dez minutos, até que o cara agarrou ela e ela nem resistiu.”
B: “Que foda.”
A: “O pior não é isso. Veio uma guria lá de dentro do bar gritando o nome dela e dizendo ‘Cara, você sumiu!’”
B: “E como era o nome dela?”
A: “Quer saber? Não quero nem falar... Depois que eu ouvi, pra mim começou a soar como nome de piranha...”
B: “Por quê?
A: “Porque sim, cacete!”
B: “Hehehe... pensando bem, se o nome dela é de piranha... o teu parece nome de bicha!”
A: “Vá se foder!”
B: “Hahahaha! Pior que é! (com voz irritante) Bichinha! Bichinha! Bichinha...!”
(Fecha-se a cortina.)