EU NÃO GOSTO DE ENCRENCAS, MAS ELAS GOSTAM DE MIM.

segunda-feira, agosto 17, 2009

SUICIDADOR

“Curitiba, 05 de dezembro de 1988.

Filha querida,

Antes de mais nada, saiba que tenho por você todo o amor do mundo que um pai pode ter por sua filha. Apesar de não viver mais com sua mãe, esforço-me para lhes dar o máximo de conforto e não permitir que nada lhes falte, e eu tenho certeza de que você sabe disso. Como amanhã é o seu décimo-quinto aniversário, e eu terei de viajar a trabalho, o que infelizmente significa sair bem antes de você acordar e se preparar para a sua festa – que eu tenho certeza de que vai ser linda, pois eu fiz questão de que fosse preparada como você queria – decidi contar-lhe o que realmente faço para ganhar a vida. Você já está se tornando uma mulher, assim é muito importante que essa seja a nossa primeira conversa como adultos, ainda que seja por carta.

Você poderá estranhar, mas eu entenderei: minha profissão não é legalizada, e muitos nem sequer sabem que ela existe; se o soubessem, certamente prefeririam que não houvesse. Porém, é necessário admitir, é um trabalho como qualquer outro: tenho meus procedimentos, minhas rotinas e minha ética. Filha, eu diria que o meu trabalho é eliminar dilemas.

Sou um suicidador, e meu trabalho funciona basicamente da seguinte maneira: quando uma pessoa deseja morrer, ela vem até a mim, escolhe como deseja que isso aconteça, e eu a suicido. Não, não sou um assassino, pois não mato terceiros por encomenda. Apenas mato quem me paga para ser morto. E cobro um bom preço, afinal é uma tarefa de grande responsabilidade e importância. Isso me permite levar uma vida bastante confortável, e consequentemente cara – você deve imaginar, afinal você vive em um apartamento grande e elegante com sua mãe, estuda num dos melhores colégios de Curitiba, tem regalias de menina de boa família; dessa maneira, não posso parar assim, sem antes ter uma reserva considerável.

Vou lhe contar algumas das minhas missões. Entre as primeiras, uma das que mais me marcaram foi cortar os pulsos de uma jovem de 22 anos. Ela era bonita, inteligente e rica. Hoje, quando me lembro dela, percebo em seus olhos esse brilho juvenil, porém, ao contrário de você, minha filhinha, tão alegre, ela era extremamente depressiva. Havia descoberto que fora enganada por um namorado ao qual amava demais – como sempre digo, se Deus inventou algo pior do que o homem, guardou para ele. O procedimento dela ocorreu numa cabana que ela mesma alugou, no interior do Paraná. Era um lugar ermo no meio do mato. Fui ao local com ela em sua luxuosa pick-up, mas escondido para não haver testemunhas. Levamos uma banheira, pois era assim que desejava ser vista quando fosse encontrada: nua, com as veias esvaziando dentro da banheira cheia de pétalas de rosa de cor branca. Ao lado da banheira, o livro de que ela mais gostava – não me pergunte qual era, sou péssimo pra lembrar nomes dessas coisas – um CD de ópera e a sua carta suicida.

Entramos, levei a banheira ao banheiro, enchemos de água quente, ela temperou a água até achá-la agradável, despiu-se – tinha um corpo lindo, mas não se preocupe, seu pai não é nenhum pervertido – arrumou os objetos como queria, entrou na banheira e eu fiz as incisões. Três em cada pulso, e a deixei ali. Com o celular dela mesma mandei uma mensagem para a família, para que fosse ao lugar buscar o corpo. Esse é um dos serviços incluídos no pacote: avisar a família dos suicidados, ou quem quer que seja, se assim me for encomendado.

Semana retrasada suicidei um senhor que estava em estado terminal de uma doença rara. Ele tinha muitas dores, tomava remédios que já não funcionavam mais, era sozinho, sentia-se um estorvo para sua família. Eu sempre primeiro pergunto de que maneira a pessoa quer morrer. Minha primeira oferta é o tiro na boca, em direção ao cérebro; esta é a opção menos dolorosa e mais rápida; como garantia, dou um segundo tiro, para evitar ao máximo a sobrevida – aliás, o segundo tiro nunca ocorrerá caso o cliente deseje que realmente pareça de um suicídio – e foi essa a opção que esse pobre homem escolheu prontamente. Não é lá muito limpo, mas eu uso luvas, máscara, óculos e avental para não tocar em nada que possa ser muito desagradável. Sempre acabo tendo de limpar a arma, mas é o de menos.

Pelas minhas contas, já suicidei entre 90 e 100 pessoas. Parei de contar para evitar que achasse a conta grande demais. Porém, sempre aparecem novos clientes. Tenho boas credenciais, sou acima de qualquer suspeita, e a minha taxa total de sucesso me faz conhecido entre as pessoas da alta sociedade. Já prestei serviços a famílias ricas de quase todos os estados do país. Mas também faço caridade: já suicidei gente em favela, mas evito isso por uma questão de segurança. Há sempre alguém que faça escândalo, além de a polícia frequentemente rondar esses lugares.

O que eu acho mais curioso é que também há pessoas que querem morrer de maneiras dolorosas, o que consome mais tempo, mais força e às vezes corre-se o risco de o suicídio fracassar. Por outro lado, por trata-se de um suicídio trabalhoso, pode-se cobrar mais pelo trabalho; apesar de eu não fazer questão de derramar muito sangue, ele não me repele, e não poucas vezes esse adicional no preço pagou luxos a você e sua mãe, como a última viagem ao exterior que vocês fizeram. Houve uma vez em que um homem, que queria morrer a facadas, permaneceu vivo mesmo depois de praticamente estripado. Eu lhe disse que seria algo sofrido, mas não adiantou: era isso mesmo o que ele desejava – e pagou por isso, sem hesitar. Disse-me que merecia morrer como um porco, e por isso eu deveria primeiro pendurá-lo em um gancho, sangrá-lo no pescoço, abrir seu abdômen e deixá-lo ali, naquela condição. Ele era um ex-militar, homem bruto e que se dizia um grande pecador: adúltero contumaz, sem compaixão pelo próximo, gostava de ver os outros sofrerem. Num surto de culpa definiu que era assim que morreria, e assim o fiz, para sua satisfação. Levou longas cinco horas para definitivamente morrer, e eu o acompanhei até o fim de sua agonia.

Amanhã à noite, no dia do teu aniversário, minha filha, vou suicidar um empresário cujo sócio limpou a sua conta na Suíça, roubou sua mulher e ameaça entregar as falcatruas do meu cliente à polícia caso ele tente fazer alguma coisa. Ele me pediu para eliminar o outro, mas, como já disse antes, não faço isso. Lido apenas com suicídios, então serei o seu último investimento: serviço de primeira, com retorno certo, e sem o dinheiro de volta.

Minha filha, eu poderia poupá-la destas histórias macabras, e se você não quiser nunca mais me ver, eu entenderei, e nunca deixarei de apoiá-la. Por outro lado, para mim tornou-se fundamental que você soubesse bem do que estou falando, pois se você, querida, desejar aprender a profissão, eu terei muito prazer em ensiná-la a você. Profissionais como eu são raros e por isso mesmo, bem pagos. E tenho toda a certeza, por conhecê-la como conheço, de que você será uma excelente suicidadora.

Feliz aniversário,

Papai”

4 Comments:

Blogger Otávio said...

Fiquei pensando em quantos suicídios que não dão certo. Taí uma profissão com futuro: Suicidador :)

sexta-feira, agosto 21, 2009 6:24:00 PM

 
Anonymous Anônimo said...

É hoje que o encrenqueiro vai contratar o suicidador?
Vida longa às encrencas de Claudio!
Te amo minha diiça!

segunda-feira, agosto 31, 2009 5:59:00 PM

 
Anonymous Anônimo said...

O comentário é meu, obviamente.
Mara.

segunda-feira, agosto 31, 2009 6:00:00 PM

 
Blogger Claudio, O Encrenqueiro said...

Tô ligado, honey!
bjs
te amo

segunda-feira, agosto 31, 2009 6:04:00 PM

 

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