EU NÃO GOSTO DE ENCRENCAS, MAS ELAS GOSTAM DE MIM.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

UM NATAL DE ARI

Ari tem 47 anos e idade mental de 6 ou 7. É magro, não muito alto, careca e tem bigode. Usa uma roupa do Batman diariamente, mas tem pensado que o Super-Homem é melhor porque é mais forte e pode voar sem a ajuda de cabos. Tem até uma namorada, Lois Lane.

Ari mora em um asilo para pessoas como ele. É um lugar exemplar, no qual famílias com dinheiro colocam seus parentes dos quais não querem ou não podem cuidar. Os pais de Ari gostariam de cuidar dele, mas não têm mais saúde para isso; eles já têm mais de setenta anos e é difícil brincar com uma criança com a energia de Ari.

Ari é feliz no asilo e convive bem com os seus companheiros; ali é comum que os pacientes vivam e sejam tratados como crianças, e neste Natal foi lançada a idéia de pedir aos internos que escrevessem uma cartinha ao Papai Noel com seus pedidos. As cartas foram entregues às famílias dos pacientes, para providenciarem os presentes e promover um almoço de confraternização. Os internos que não sabem escrever receberam ajuda dos enfermeiros e enfermeiras.

Ari, como todos os outros, foi para o seu quarto e escreveu sua cartinha rapidamente, e a entregou afobado a um enfermeiro, que lhe disse: “Tomara que o Papai Noel traga, né, Ari?” Ari apenas fez que sim com a cabeça e saiu correndo para ir chutar bola com os colegas.

Dois dias depois a família de Ari o visitou e recebeu o bilhete, escrito em letra grande e descuidada:

“Querido Papai Noel,

Eu fui bonzinho com todo mundo menos com o Julião, porque ele é um enfermeiro muito chato, mas eu já pedi desculpa pelo prato de sopa que eu joguei na cara dele, e ele já pediu desculpa pelo soco que ele deu na minha cara. Doeu muito e eu chorei, mas ele disse que o prato de sopa na cara dele também doeu muito e até cortou a testa dele que sangrou e todo mundo pensou que ele ia morrer, mas eu não ia achar ruim que ele morresse.

O presente de Natal que eu quero é uma namorada mulher, tipo a Lois Lane, porque eu tenho um tio que tinha uma namorada que não era mulher, era um homem que se vestia de mulher e dava pra ver que ela tinha barba e falava mais grosso do que o meu tio. Então traga o meu presente porque eu fui bem bonzinho, e se te disserem que não, é mentira lá deles.

Um abraço e bom fim de semana, do seu amiguinho,
Ari Ramos de Souza”


Seu André, pai de Ari, quando recebeu e leu a carta deu risada, mas Dona Marta ficou triste. Nunca imaginaram viver tal situação.

Toda a família soube, comentou e riu do fato, até mesmo o tio Alceu, citado na carta, que uma vez chegara bêbado de um baile de carnaval sem saber que estava de braços dados e de namorico com um travesti.

Apesar de a situação ser engraçada, era séria. Como não desapontar Ari? O pobre homem era mimado, em todos os Natais ganhou o presente que quis, mas nesse as coisas se complicavam.

Seu André resolveu conversar com Ari sobre o Natal e o que ele esperava do Papai Noel, e o rapaz contou-lhe da carta. O pai lhe disse “Mas isso é difícil, porque não é um brinquedo.” “Ah, pai, o Papai Noel consegue, ele sempre me trouxe de tudo! E como que eu vou ser o Super Homem sem namorada?”

O Natal se aproximava, e Ari não queria mudar de idéia. Os tios brincavam, faziam piada. Um dos tios sugeriu uma prostituta, e Dona Marta não quis nem ouvir o resto. Seu André ainda disse “E se o homem se apega pela moça? Quem vai ficar pagando pra ela ir lá todo dia?”

* * *

Ari desejava a namorada de forma tão intensa que seus dias tornaram-se febris e intermináveis. Ficava pensando em como seria ela. Como um menino de poucos anos, Ari não gostava de se aproximar das meninas, e assim não tinha muita idéia do que fazer com uma namorada; mas o Super-Homem também não fazia muito com Lois Lane; era só salvá-la quando estivesse em perigo. Tanto pensou nisso que, a dois dias do Natal, acabou sonhando com sua namorada. Em seu sonho eles andavam de mãos dadas, se abraçavam, jogavam futebol e comiam brigadeiro. Riam muito, até que a sua namorada pôs-se a gritar com ele porque ele havia comido o doce antes dela. E ele começou a chorar, e acordou berrando; conseqüentemente acordou os outros que dormiam no mesmo quarto, e todos chegaram perto do homem para tentar acalmá-lo, que babando dizia que não queria mais saber daquela menina chata e feia que estava em seu sonho.

De manhã, a primeira coisa que Ari fez foi escrever outra carta ao Papai Noel, e entregá-la ao enfermeiro, pedindo para que essa carta fosse mandada para o Papai Noel o mais urgente possível, porque ele tinha medo de receber uma coisa que não queria mais.

O enfermeiro pegou o envelope e longe dos olhos de Ari, ligou imediatamente seu André, contando que havia uma nova carta de Ari.

Os pais de Ari ficaram apreensivos com um novo absurdo, e ao mesmo tempo aliviados, pois ele provavelmente agora queria algo mais fácil. Seu André foi à clinica e leu a nova carta:

“Querido Papai Noel,

Eu tinha pedido uma namorada mulher, mas não precisa mais. Eu agora quero mesmo uma roupa do Super-Homem, porque com ela eu vou poder voar e levar tiro e bater no Julião se ele for ruim pra mim, e o Batman é mais fraco que ele. Mas sem a namorada, porque ela é muito chata e ela briga, e só um pouco legal.

Um abraço e bom fim de semana, do seu amiguinho,
Ari Ramos de Souza”


A mãe e o pai de Ari se abraçaram pela boa notícia.

* * *

No dia de Natal, Ari abriu o pacote e viu sua roupa, e perguntou ao pai, com os olhos brilhando: “É igual à do Super-Homem, né?” “É Ari, acho que é igualzinha... É uma dessa que ele usa?” “É... E tem capa! Será que dá pra voar, pai?” “Acho que dá, Ari.” “Não veio com namorada não, né?” “Não, o Papai Noel disse que conseguiu trocar o seu pedido a tempo, filho.” Ari, aliviado e ansioso, foi ao seu quarto, vestiu a roupa imediatamente e fez muito sucesso na festa.

Algum tempo depois, Ari sumiu. Seus pais começaram a procurá-lo e não o encontraram. Os enfermeiros foram chamados para ajudar, até que Ari foi visto no alto do prédio do asilo gritando:

“Ei! chama todo mundo que eu vou mostrar que dá pra voar com a minha roupa!” Todos vieram correndo pra ver e tentar impedir Ari de sua estupidez. A última coisa que sua mãe viu antes de desmaiar foi seu filho sorrindo feliz e voando igual ao Super-Homem.