LÚCIO E MARINA
No meio daquele abraço, Lúcio fechou os olhos, tanto porque os cabelos de Marina lhe incomodavam os olhos e lhe faziam cócegas no nariz, mas também porque temia que aquela fosse a última vez que a abraçava.
O apartamento decorado pela avó de Lúcio, com papéis de parede floridos e centenas de pequenos objetos de fino gosto para algumas décadas atrás, mas nem por isso menos elegante, era o cenário da despedida. Marina iria para a França fazer o seu doutorado, e ele ficaria na casa que herdara de sua avó em Curitiba. Lúcio queria Marina desde os dezesseis. Nessa amizade de oito anos, ela sempre vira em Lúcio um bom amigo, que até poderia ser um ótimo namorado – e porque não, marido – se ela não gostasse tanto de sua liberdade.
“Eu te amo.” disse Lúcio. “Eu sei” replicou Marina.
A resposta dela o surpreendeu, e ele perguntou “Como assim?” e ela apenas riu aquela risada boa de que ele tanto gostava. “Tenho de ir, o táxi está me esperando. Venha me visitar em Paris quando puder. Tchau, Lúcio.” “Tchau, Marina. Boa viagem.”
Ela desceu as escadas sozinha, pois ele sentia-se tão mal, que não pensou em acompanhá-la; e ela sabia disso também.
No avião, Marina sentiu-se cruel, mas ao mesmo tempo aliviada, afinal não fez promessas que a comprometessem com Lúcio. Ele era seu melhor amigo sim, e havia atração e empatia entre os dois, mas isso não era o suficiente para ela. Para ela, deveria haver algum componente mágico, se é que seria essa a palavra, que a obrigasse a ficar com ele; uma força irresistível, enfim. Ou, que seja o clichê: deveria haver paixão. E ela não era apaixonada por Lúcio. Talvez o amasse, mas como se ama a um irmão ou a um primo querido. Olhou as nuvens e sorriu: considerou sua resposta à declaração de amor de Lúcio perfeita. Nem sim, nem não. Apenas a constatação da existência dos sentimentos do outro.
E agora havia Paris. Não só Paris, mas a França, e mais do que isso, a Europa. A bolsa de doutorado que receberia não era tão alta, mas seu pai a ajudaria a fazer muitas das coisas que queria.
Lúcio sofreu por muito tempo. Resistia a comunicar-se com Marina. A tecnologia facilitava tudo, mas não era isso que ele desejava: não eram mensagens bobas, um monte de palavras abreviadas e risadas falsas, nem uma imagem mal focada e quebrada de uma câmera ordinária de computador. Ele a queria ali, ao seu lado, falando bobagens e rindo. Ele queria olhar nos olhos castanhos de Marina, observar o seu cabelo nem curto nem comprido e sua maneira de se mexer só dela. Suas roupas, seus calçados, seu jeito que não se parecia com o de nenhuma outra menina.
Lúcio e Marina passaram dois anos se comunicando muito pouco; foi quando ela voltou ao Brasil pela primeira vez, a dois dias do Ano Novo. Ela já esperava que ele fosse um daqueles apaixonados obstinados, como de fato o era. Assim que chegou a Curitiba, ela ligou para Lúcio. Marina o esperava na casa de seus pais, e ele foi para lá.
Ao se encontrarem se abraçaram, e Lúcio achava que ficaria mais feliz do que realmente ficou ao vê-la. Ela parecia agora envelhecida, mais mulher, mais confiante, pertencente a um outro mundo que não era mais o seu. Sua risada parecia um pouco forçada, suas maneiras lembravam as de outras mulheres das quais não gostava.
Marina viu nele o mesmo menino de dezesseis anos que conhecera há dez anos. Depois de dois anos longe de tudo, conhecendo homens e mulheres, vivendo coisas que ao mesmo tempo que lhe causaram cicatrizes, a tornaram mais sabedora de si mesma, Marina via em Lúcio uma espécie de porto seguro para esse momento. Ela sentia sua própria maturidade chegando como uma espécie de primavera, na qual as coisas tornavam-se mais interessantes, mais vivas. Para ela, as duas próximas semanas, no Brasil, prometiam ser no mínimo interessantes.
Marina pediu a Lúcio para levá-la para sair, pois ela não tinha atravessado um oceano para ficar apenas dentro de casa com seus pais. Queria rever os lugares e encontrar as pessoas. Era domingo à noite, não havia muita gente na rua, todos iam para a praia nessa época. Foram a um bar, onde uma banda tocava; ela queria conversar, então o barulho não era bem-vindo. Foram a outro, e nesse, apesar do ambiente parecer desanimado, o álcool tornou a conversa mais fácil e fluida como antes da ida dela à França. Aos poucos os dois se excediam na bebida, até começarem a falar sobre o dia em que ela viajou. A conversa não era fácil para Lúcio, ao passo que para Marina era muito divertida. E isso irritou muito ao rapaz, que chamou o garçom e pediu a conta, para espanto de Marina.
“Não deveríamos ter vindo aqui. Não deveríamos ter nos encontrado. Você não me ama e nunca vai me amar. Desculpe. Eu estou bêbado demais, mas tudo que eu te falei, todos os meus sentimentos, são de verdade. Vou chamar um táxi pra mim e outro pra você. Não quero te ver nunca mais!”
Ela não respondeu. Na verdade, estava muito bêbada, e inesperadamente começou a rir. Ele ficou com tanta raiva que deixou o dinheiro sobre a mesa, levantou-se e saiu. Ela passou do riso para um choro sentido, que permaneceu vindo em ondas dentro do táxi, e ainda quando estava deitada em sua cama, até que finalmente dormiu.
Lúcio se encantou com a taxista que o levou para casa. Trocaram telefone e passaram aquele revéillon juntos, bebendo e rindo.