EU NÃO GOSTO DE ENCRENCAS, MAS ELAS GOSTAM DE MIM.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

ORIGINAL TASTE

A gente estava sentado num banco de uma pracinha, vendo uns meninos jogar bola na grama, quando ela me disse: “Você tá com um negócio verde nos dentes.” Eu dei de ombros e disse “Que se fôda.” Ela retrucou na mesma hora: “Mas você é um babaca mesmo! Eu não sei porque eu ainda tento. Eu aqui querendo fazer você parecer um pouco menos patético, mas não adianta. Ridículo.” Eu já estava tão cansado de todas as nossas discussões que achei melhor não falar mais nada. Dei de ombros de novo, respirei fundo e me concentrei no jogo dos meninos.

A primeira vez em que eu a vi ela estava andando numa rua perto da minha casa, e estava junto com um cara um pouco mais baixo que ela. Eu fiquei impressionado, pois eu nunca tinha visto uma mulher anã tão bonita quanto ela. Ela não tinha as características comuns às pessoas que sofrem de nanismo, como braços e pernas curtos. Era uma mulher perfeita, só que pequena. O rapaz também, apesar de ela ainda me parecer mais proporcional. Na hora eu até pensei “puxa, que casal bonito”. Só mais tarde descobri que os dois eram irmãos.
Nós só nos falamos mesmo umas duas semanas depois, quando ela entrou no escritório da empresa em que eu trabalhava. Eu era novo no emprego, e quando vi aquela mulherzinha andando em frente à minha mesa, eu comentei com um colega: “Quem é essa?” Ele respondeu: “A Barbie, nunca viu?”, e nós rimos. Insisti: “Mas agora falando sério, quem que é essa daí?” “Ah, ela é executiva de um dos nossos maiores clientes. É um daqueles exemplos de mulher bem-sucedida, inteligente, interessante, simpática. Formada em Oxford, morou na Europa um tempão. Fala não sei quantas línguas, entende de artes e o cacete. É bonita, mas eu não tenho coragem de pegar uma mulher menor que minha irmãzinha de dez anos.” E eu até concordei com ele. Pôrra, eu tenho mais de 1,90. Naquela hora eu me senti um depravado querendo aquela mulher com não mais de 1,20 de altura.
Neste mesmo dia, todo mundo lá do escritório recebeu convite para uma vernissage que ocorreria à noite. O evento ia ser patrocinado pelas duas empresas, a dela e a minha. Como eu não ia perder a boca livre, e o negócio ia ser sofisticado, fui para casa, tomei um banho e peguei a minha pobre melhor roupa. Logo que cheguei lá, ela veio falar comigo. Ela era muito simpática, e me fez me sentir muito à vontade. A conversa fluía fácil, e o vinho ia subindo. Ela propôs que a gente fosse conversar em um barzinho chique perto dali, e duas horas depois eu e ela estávamos na mesma cama; um mês depois, sob o mesmo teto. Estávamos desesperadamente apaixonados, e como ela morava sozinha em um apartamento enorme, e minha família era só eu mesmo, não demorei muito a aceitar a oferta. E por algum tempo nós fomos muito felizes. A família dela me recebeu muito bem: eu me sentia um filho ali. Aquele quarteto de pequeninos me adorava e eu os adorava também. O irmão dela – aquele cara com quem a vi pela primeira vez – era gentil, fino, educado e alegre, igualzinho aos pais e à irmã. Na casa deles eu me sentia um Gulliver bobo, desajeitado e contente.
Lá pelo nosso sexto mês juntos, as nossas diferenças já não eram mais tão conciliáveis assim, e tudo o que eu fazia a irritava, e o modo como ela me repreendia me humilhava. Eu pensava comigo mesmo “CUIDADO, VOCÊ ESTÁ FAZENDO TUDO ERRADO. ASSIM VOCÊ VAI PERDÊ-LA” Então eu ficava me policiando, mas era eu fazer qualquer cagadinha e vinha aquela formiguinha de tailleur me dar de dedo.
Mas tudo foi pro vinagre de vez quando eu, desgraçadamente, decidi abrir um e-mail com anexo desses que a gente recebe e manda pra todo mundo depois. O título era “O novo mapa-mundi”. Ele mostrava uma foto com as pernas abertas de uma mulher mostrando a vulva e o ânus. Sobre a foto, havia uma aplicação gráfica qualquer imitando um mapa, e no lugar da vagina estava escrito “Casa do Caralho”, e sobre o ânus, “Cu do Mundo”. Eu achei aquilo muito engraçado e soltei uma gargalhada incontrolável. Meu chefe não estava com o mesmo humor que eu, e veio ver do que eu estava rindo. E eu, idiota que sou, me atrapalhei com o mouse e ao invés de fechar a janela do computador eu a abri totalmente. O cara só me disse “termine o que você está fazendo e venha à minha sala.” Resultado: fui mandado embora por usar um computador da empresa para ver pornografia.
Ela ficou sabendo da história no mesmo dia, e quando cheguei em casa fui recebido aos gritos de “Seu punheteiro, babaca! Como é que fui me envolver com você? Saia da minha casa, seu merda! Eu não sei o que eu vi em você! Quer uma revista pornô pra se masturbar? Eu compro uma pra você, porque agora você não tem mais dinheiro nem pra isso!” E ela falou, falou, falou, até cansar. E eu agüentei tudo quieto, porque mesmo que eu tentasse explicar ela não iria querer ouvir naquela hora. E assim, o que começava a azedar ficou intragável. Mas eu não tenho para onde ir, e ela já está me sustentando há dois meses. Eu não consigo emprego, não tenho pra onde ir, e acho que ela só não me manda embora da casa dela de uma vez de pena de mim. Embora eu até ache que ela já tenha outro. Aí eu acho que não vou suportar, e vou me mandar daqui.

* * *

“Puxa, gente, há quanto tempo que a gente não tinha um churrasco destes? Também, já fazia quase um ano que eu não arrumava um namorado assim... Olha, se esse babaca pensava que ia ficar vivendo às minhas custas de graça, ele estava enganado. A minha sorte é que ele tem, aliás, tinha o sono pesado. Não foi muito difícil amarrar o idiota na cama e enfiar o travesseiro na cara dele. Pra falar a verdade, achei que ele ia agüentar mais, sabe? Ele se debateu tão pouco... até pra isso ele era preguiçoso... Mas pelo menos agora ele tá aí, quase inteirinho. É, porque o fígado não deu pra aproveitar, eu sei que a senhora adora fígado, mamãe, mas é que o desgraçado apesar de novo, já tinha bebido demais na vida. A bunda, espero que seja tão gostosa quanto era bonita. A carne é bem macia, tem pouca gordura... É claro que eu não fiz lingüiça do pinto dele, há, há! – eu não ia ser óbvia a este ponto, mas os testículos estão aí, pra quem quiser pegar. Eu sei que o papai adora, pegue papai!, pode pegar porque eu não quero, e ninguém mais aqui gosta... Já tá pronto o miolo? Nossa, que cheiro maravilhoso... ah, quanto tempo que eu não vejo miolo assim, com pouco uso, graúdo, bonito, olha só isso aqui! – nossa, eu estou louca pra experimentar. Puxa, maninho, mas isso aqui está lindo, só você pra preparar um miolo assim... deixa eu provar: Hum! Que delícia! Ele podia não ter uma idéia que prestasse, mas o cérebro... original taste! Magnifique! Um brinde!”


Novo Mundo, 10 de outubro de 2006.