EU NÃO GOSTO DE ENCRENCAS, MAS ELAS GOSTAM DE MIM.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

“BUKOWSKI ONLY KNOWS”

Então: eu tava lá, no nosso sofazinho, dentro do nosso apartamento, vendo um filminho indecente e me aliviando, quando ela começou a bater na porta. Na verdade ela não tava batendo; ela tava ESMURRANDO a porta. E gritando
“Abre essa merda dessa porta, seu filho da puta!”
Interrompi os trabalhos, desliguei o vídeo e, preocupado com os vizinhos, gritei pra ela:
“Enquanto você não parar de gritar eu não abro!”
Daí ela:
“Você é covarde demais pra fazer isso. Mesmo que eu pare você não vai abrir a porta, eu sei. Você tá com quase quarenta anos, e continua agindo feito criança. Aposto que você tá vendo uma daquelas nojeiras de vídeo pornô!”
Puta que o pariu, ela tava certa. Mas é claro que eu não ia lhe dar esse gostinho. Então lá fui eu:
“E se eu abrir a porta e você vir que aqui não tem fita pornô nenhuma? Você me devolve as minhas coisas?”
Ela:
“Que coisas? Aquele monte de revista velha de sacanagem? Agora já era. Faz uma meia hora que foi tudo pro fogo!”
Mas que vaca. Aquelas porra tinham um valor sentimental pra mim. Algumas eu tinha desde os quinze, o meu vô que tinha me dado; eu ainda lembro dele falando “É melhor começar a gostar dessas coisas agora do que esperar demais e virar viado!” Que coisa a sabedoria dos antigos, né? Dramático, eu disse:
“Não acredito! Você acabou de queimar dinheiro! Algumas daquelas revistas eram verdadeiras antigüidades! Eu tava guardando elas como uma garantia pra minha aposentadoria! Sua filha da...” Ela me interrompeu putíssima: “Termina seu filho da puta! Mas vê bem o que você vai dizer. Diz, vai! Você é que é uma antigüidade. Você e essa pança redonda; você e essas manias de adolescente mal-resolvido. Punheteiro! Abre essa merda!” Cara, ela tava muito braba, mas muito mesmo. Ela começou a ficar assim ontem de noite, quando ela me pediu dinheiro pra inteirar a conta de luz e eu disse que não tinha. Mas como que eu ia esperar que ela tivesse achado o meu esconderijo? Isso sem falar que na semana anterior ela já tinha me pego na locadora com uma bela de uma fita pornô indo pra sacola. As revistinhas ela até agüentava, mas os filmes eram demais pra ela.
Ela: “E então punheteiro? Vai abrir ou não?” “Porra, amor, pára com isso. Se ligue, eu tava pensando no NOSSO futuro, quando eu pensei em guardar as revistas.” Enfatizei bem o “nosso” pra ver se amolecia aquele coraçãozinho de pedra. Só que não veio resposta nenhuma. Até perguntei: “Você me ouviu, amor?” Então ela me perguntou: “Desde quando você fuma maconha, Davi?” “O quê?” “Você quer que eu chame a polícia ou vai abrir a porta pra me explicar as coisas direito?” “Do que que ‘cê tá falando?” “Eu tô falando do teu amiguinho Rique, que acabou de me entregar dois baseadinhos e me disse que você só tem que dar cincão pra ele.” “Ele tá aí?” “Tô, Davi!” “E o que que você tá fazendo aqui?” “Porra, meu, cê não lembra, ontem na locadora, na sessão dos por..., eh, lembra, que você disse que queria um bagulhinho pra dar uma relaxada... e que era pra eu vir aqui lá pelas dez, dez e meia, lembra?” Daí ela se meteu na conversa “Porque nesse horário eu já teria saído, né Davi? Só que você esqueceu que hoje é o meu primeiro dia de férias, certo?” Esse Rique era um belo de um bosta filho da puta, isso sim. Putz, foi aí que eu lancei mão de uma das que seriam uma das minhas melhores jogadas: “Amor, você já ouviu falar que a maconha pode ser terapêutica, né?” “E você realmente acha que eu você cair nessa? Será que você é tão burro assim?” “Você acredite ou não, mesmo assim eu vou tentar me curar com essa porra!” “Se curar do quê? Da tua compulsão de se masturbar toda hora?” Bem calmo, soberano até, eu disse: “Não. Eu tô morrendo. Eu tenho câncer. CÂN – CER! Tá me ouvindo? Eu tô MOR–REN–DO. Você não se preocupa mais em me dar prazer, e antes de morrer eu também mereço um pouco de lazer.” Eu nem acreditei que tive a cara de pau de fazer uma merda de rima dessa. E fui em frente, sem trégua: “É, porque quando você tá fudido que nem eu, você não pensa em outra coisa que não seja se curar. Você alguma vez pensou que eu, por trás das coisas que eu faço, que eu podia tá sofrendo? Hein?” Eu soube que peguei a vaca quando ela falou: “E por que você nunca falou sobre isso, amor?” A última vez que ela me chamou de “amor” foi há uns 6 ou 7 meses, quando eu consegui pegar na locadora um filme da Julia Roberts que ainda era lançamento. Eu disse: “Porque você já tá ocupada com o seu emprego, tentando manter a nossa casinha, e eu aqui, desempregado, inútil... pensei que eu podia tentar cuidar desse negócio dentro de mim sozinho, sem precisar arrumar mais uma coisa pra te incomodar, amor... eu não quero vê você sofrer ainda mais, nessa vida fudida...” Daí o Rique gritou “Porra, Davi, cadê os meus cincão?” Ela falou “Rique, mas você é um merda de um desalmado, hein?” O Rique até tentou “Escuta aqui dona, mas...”, mas ela não deixou ele falar e continuou: “Atrás dessa porta tá um homem que pode morrer logo, e você preocupado com cincão? Toma, pega essa merda, e sai daqui!” Putz, eu não tava acreditando naquilo: ela me defendendo e ainda pagando o meu bagulho! Aí ela me disse: “Ai amor, eu tô me sentindo tão culpada por você estar sofrendo sozinho esse tempo todo...” Ela tava chorando! Eu não agüentei e abri a porta.
Ela tava ali, muito séria, me apontando uma arma; o Rique tava um pouco atrás, só olhando. Ela deu um tiro, que pegou num enfeite de louça em cima da mesa. Cara, eu fiquei com tanto medo que me mijei. Ela começou a rir de mim, e foi entrando na sala, até tropeçar numa caixa de fita da locadora, que eu, muito burro, tinha esquecido de esconder. Ela se abaixou, pegou a caixa, leu o título do filme, jogou a caixa de volta no chão e atirou em mim mais duas vezes, só que dessa vez as balas me pegaram. Uma na coxa direita, e outra de raspão, na barriga, também do lado direito. Só ouvi o Rique dizendo “Caralho, Davi! Tua mulher é louca. Tchau mesmo!” Ele saiu, e ela quando viu o sangue se assustou e começou a se desesperar. Eu só disse “Me leve pro hospital, louca.”, e ela me obedeceu. No táxi ela ficou dizendo que eu tinha provocado ela, e que não queria me perder, e toda aquela bobajada de arrumar emprego e sossegar o rabo, parar com as cachaça e com as putaria, e todas essas merda. Eu tava com tanta dor que eu não conseguia responder. No hospital foi tudo bem e, claro, nenhum ferimento era sério.
Quando a gente chegou em casa, ela viu a caixa da fita, e calmamente me perguntou “Você tá mesmo com câncer?” Eu disse: “Não sei. E por que não?” “Por que você nunca consegue falar sério?” E séria, ela disse: “Eu vou devolver isso aqui na locadora, tá?” Eu fiz que sim com a cabeça, embora tenha pensado em responder “Mas eu não terminei de ver!”, mas não falei porque achei que poderia estar exagerando.